quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Sacolas da Felicidade


Depois de mais um dia de trabalho cansativo lembro que em casa não há nada para comer nem se quer um pão de outro dia. Sigo para um supermercado perto da minha casa, em outro bairro, tão logo chego à cidade. A vida de solteiro tem dessas obrigações que resistem ao tempo, à falta de coragem e ao cansaço.
Passeio pelos corredores do supermercado, meio despretensioso, mas de olho nos preços, nas pessoas que entram e saem de lá enquanto fico perambulando de gondola em gondola. Coloco alguns pães, queijo e um pouco de presunto na cesta que levo como um pêndulo imóvel em minhas mãos. Vi que passaria a noite inteira ali e não saberia ao certo o que levar para casa, então decidi ser mais prático e me conformar com um belo par de sanduíches naquela noite.
Cansado como estava naquele dia, rezei para não ter filas nos caixas, mas a oração foi pouca, acho que não rezei com muita fé e, as filas estavam lá atravancando meu caminho e testando minha paciência. Numa das filhas perto da qual eu estava, vi três figuras que me chamaram atenção. Um homem, numa posição mais privilegiada, com jeito de aposentado e um semblante tranquilo e ao mesmo tempo atento aos produtos que retirava do carrinho; um garoto que o ajudava retirando um a um os poucos mantimentos que aquele senhor comprara; por último, uma senhora já com muitos cabelos brancos, se apoiava na guia de condução do carrinho do supermercado, com o queixo recostado à guia, com um olhar baixo parecendo contar com os olhos o que o garoto e o velho retiravam do carrinho.
Durante muitos minutos continuei olhando aquelas pessoas que pareciam ser de uma mesma família, os avós aposentados fazendo a feira na companhia de um neto. O menino, com os pés descalços, encardidos de uma poeira negra, trajando uma roupa que também estava suja, me fez voltar no tempo e pensar quantas vezes eu também fui companhia de meus pais no supermercado. Aquele garoto me fez marejar os olhos nas lembranças do passado, mas havia uma diferença, pois éramos eu, minhas irmãs e meus pais; agora, eram os avós e seu neto levando para casa o pouco que suas aposentadorias lhes permitiam comprar. Nunca imaginei que numa fila de caixa, um garoto sujo e empolgado com as compras, agindo alegremente, pudesse me fazer esquecer uma fila entediante e cansativa de um supermercado.
Olhei para os lados para ver se alguém estava me vigiando, olhando em meus olhos marejados. Cheguei até a pensar que pudesse me questionar o porquê das poças de lágrimas nos olhos. Levantei a cabeça, olhei para o teto como quem fazia uma inspeção sobre a estrutura daquele lugar, só para disfarçar o que senti naquele momento que me abateu de tanta nostalgia, ternura, olhando aquele garoto.
A fila andava, e eu continuava a observa-los. Eles já estavam saindo do caixa eu os perseguia com o olhar. Antes disso, percebi que o garoto retirara do carro os produtos apenas com uma das mãos e, com a outra, protegia algo que eu ainda não sabia o que era. O carrinho estava secando. Não dava mais para o menino esconder do avô o que tinha em baixo de sua pequena mão: um pacote de biscoito recheado. Não dava mais para esconder, era hora de colocar o biscoito no balcão do caixa, e isso o garotinho o fez. Levou cuidadosamente o biscoito ao balcão, mostrando ao avô, sem dizer uma palavra, pois o seu gesto era mais que um pedido. Da mesma forma, o avô olhou para o biscoito, com um olhar que falava que aquele lanche não poderia passar no caixa sem antes terminar de retirar do carrinho os poucos produtos mais importantes. O carrinho secou.
Fiquei apreensivo pensando no que fazer se aquele avô não levasse o biscoito para o garoto. Senti-me aflito, me senti menino sujo, empolgado, querendo somente um pacotinho de biscoito. O garoto permaneceu com o biscoito nas mãos sem dizer nada. O avô o olhou. A avó com as mãos abaixadas e entrelaçadas nada poderia fazer... Enquanto isso, aquela situação me revirava as lembranças de um certo menino que um dia também quis um pacote de biscoito, quis um brinquedo e as condições financeiras da época não permitiam nada disso. O choro era inevitável. Chorei com o sentimento de um pai ou avô que nada podem fazer sem antes satisfazer as necessidades de um lar e, se sobrasse algum dinheiro, quem sabe comprar um biscoito para o neto.
O avô, com o olhar de um desconhecido de olhos marejados, pegou o biscoito das mãos do garoto. O pobre menino juntou as mãos e as levou até a altura da boca que deixava escapar um sorriso tímido, mas vivo e verdadeiro. Respirei. Engoli o choro.
Sai vagarosamente daquele lugar, meio perdido procurando o casal de avós e seu neto. Não sei ao certo que direção eles tomaram levando suas poucas sacolas. O que sei é que eu já estava ali a tanto tempo, mergulhado entre lembranças e realidade e não percebi que os minutos avançavam. Era hora de ir para casa. Depois de tudo isso, percebi que minha fome já não era mais o foco dos meus pensamentos e os sanduíches não eram mais saborosos que aquilo que vivi naquele início de noite e, ainda, que as diferenças entre mim e aquela família eram apenas de pessoas, lugares e situações, mas a verdade é que uma das semelhanças estava ali, naquelas poucas sacolas que levávamos, que eram poucas, mas repletas de felicidade.

Novembro de 2014.

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