Existe
uma coisa que nunca vou esquecer que fez parte da minha infância é o contato
que tive e tenho com a natureza. Desde muito cedo, aprendi os caminhos dos
igarapés que existiam nas redondezas do bairro onde me criei, em Capanema. Eram
igarapés de águas amarelas transparentes que em épocas de cheias, suas águas
ficavam escuras, barrentas, mesmo assim, eram a melhor opção para uma criança
que não tinha muito o que fazer em casa.
A
natureza nas proximidades de minha casa sempre foi muito exuberante, com muitas
árvores, lagos, igarapés, principalmente na localidade onde morava minha avó,
um lugar muito tranquilo cheio de magueiras, árvores imensas, mas com sinais
visíveis de que o bicho homem havia passado por ali. Esses sinais eram pequenas
fazendas ou propriedades que mantinha gado naquela região, o que fazia de
nossos passeios à casa de minha avó sempre uma aventura, pois os bois eram
motivo de choro para a molecada que tinha medo de gado. Quando desconfiavam que
tínhamos medo deles, faziam-nos correr em direção ao mato deixando qualquer
coisa para trás, como chinelos, sacolas e bicicletas, era realmente uma
aventura que depois rendia boas risadas.
Lembro
perfeitamente que nas proximidades do sítio de minha avó havia um lago no qual
gostávamos de banhar, tinha um nome um tanto envelhecido, com jeito de senhor e
respeitado pelos adultos, era o barreiro, fruto de escavações minerais da
fábrica de cimento que ainda existe na cidade. No velho barreiro brincávamos
por horas sem lembrar que tínhamos que voltar para a cidade, onde morávamos.
Além de brincar, também pescávamos juntamente aos adultos, mas somente eles
obtinham resultados satisfatórios na jornada de pescarias. O velho barreiro era
lugar de mitos e mortes, contam os mais velhos que dizem terem perdido parentes
e amigos naquele lago; outros, dizem que o barreiro era lugar de assombração,
cobras imensas capazes de engolir um homem inteiro, o que é bem provável e até
já foi divulgado na TV, sobre animais que atacam pessoas, não no barreiro. Em
todo caso, nunca presenciamos nenhum desses feitos lá no velho barreiro.
Saudades eu tenho desse velho. Quando não estávamos na cidade, estávamos no
sítio, lá era somente o ponto de partida nas temporadas de manga, jaca, goiaba
e ameixa. Saíamos de lá e andávamos por quilômetros na busca de frutas, em
baixo de chuva ou sol, não importava. Íamos em busca daquilo que a natureza nos
ofertava com tanta abundância e generosidade, o que hoje já não é muito comum
porque muitas áreas de florestas foram devastadas para dar lugar à fazendas e
plantações cultivadas por pequenos agricultores.
Hoje,
observo com muita tristeza no olhar as coisas que fizeram aos igarapés de minha
cidade, quase todos assoreados ou com suas matas ciliares quase não existentes.
É uma pena ter que passar por eles e lamentar muito o que o desenvolvimento da
cidade trouxe para eles e as florestas que ainda resistem em alguns trechos
urbanos, como uma densa floresta que havia atrás de um posto de combustível,
tão rica mata, com animais, como macacos, quatis, quatipurus, aves de muitas
espécies, ouriços (porco-espinho), uma fauna diversa. Lembro muito bem, um dia
quando ia ao sítio, deparei-me com um tamanduá, era um bicho grande, deveria
ser um adulto, minha reação foi de correr, enquanto o animal também executou a
mesma ação, um bicho com medo do outro. Em outros momentos, vi cachorros do
mato ao redor da casa no sítio, um animal estranho de corpo alongado, bem baixo
e de cor acinzentada. Acredito que muitos dos animais foram dizimados nas matas
de Capanema por causa da caça predatória e destruição de seus habitats
naturais.
Algumas
vezes, parecia até maldade, meu pai me acordava às cinco da manhã para
acompanhá-lo até a empresa onde ele trabalhava, íamos buscar a carreta que era
sua ferramenta de trabalho. No trajeto, passaríamos sempre por um dos igarapés
que comentei aqui cujo nome é tubo que na época era um grande igarapé de água
bem fria e escura ainda mais na madrugada. Imaginei por muitos anos que o belo
passeio na madrugada era um presente de grego que meu pai me dava, de fato,
era, o porquê, não sei. Mas, deixando de lado o caráter pessoal da coisa,
banhar no tubo durante um dia de sol era a coisa melhor do mundo, sem contar
que, de lá íamos rio acima em busca de frutas como taperebá, quando
observávamos, já estávamos no outro igarapé, o rio do posto, depois de termos
passado por uma mata muito cerrada, cortada apenas pelas águas frias que vinham
do grande caeté, realmente uma aventura que em dias de chuva ficava tenebrosa
com direito a raios e trovões, sem contar as batidas de queixo de tanto frio,
lembro como se fosse hoje, quando passo pela região desse igarapé.
Hoje,
o que existe são somente lembranças do que antes era pura felicidade de menino
e mulheres com suas bacias prateadas cheias de roupas sempre a caminharem na
mesma direção, os igarapés: tubo, garrafão, rio do posto, rio da serraria... Ao
longe só se via uma multidão permeada de meninos afoitos por brincadeiras e
boas flechadas na água até ficarem com os dedos todos enrugados de tanto frio
ou a visão turva de tanta água. Em dias de sol, a festa estava completa, não
faltava nada, e todo mundo rumava na mesma direção, igarapés ao mar, meninos e
mulheres ao paraíso.
É
lamentável que ninguém nunca soube valorizar as matas e igarapés de minha
cidade. Prefeitos entram e saem sem preocuparem-se com a natureza que também
faz parte do meio ambiente. Acredito que as autoridades não tenham tido aulas
de educação ambiental, por isso, não sabem valorizar o que é primário em nossas
vidas, como florestas e a fauna que nelas existe, os igarapés que as cortam com
tanta beleza e silêncio de intensa fascinação.
Já
não sou mais um menino nem tão pouco banho nesses igarapés de matas, mas tenho
dentro de mim a força de relembrar-me e a quem quer que seja também, que sempre
é tempo de vida, e a vida é feita de igarapés, pessoas, infância, florestas e
sonhos.
Janeiro de 2012.
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