quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Trecho do livro "A ilha"

A ilha


"Durante o tempo em que a lenha ardia e estalava no fogo, e a água fervia, borbulhava, Firmino retirou mais alguns copos com água de dentro do pote e foi para a janela da cozinha e pôs-se a derramar pequenas doses de água na mão feita como cumbuca para jogar a água sobre o rosto comprido, enrugado, moreno, de boca grande a lábios negros. Em poucos minutos, retirando o excesso de água do rosto, voltou ao fogão e passou o café que foi bebido à porta que dava para o grande campo alagado da fazenda, findado por uma imensa parede de floresta que se estendia em círculo ao redor da Princesa do Norte".

Trecho do Livro "Eu, o Everest e eles"

Eu, o Everest e eles
"—Sim. O senhor acredita em Deus? Eu não! A verdade é que eu sempre tive tudo que quis. Lutava pelo que eu queria e não importava os meios para conquistar meus objetivos. E, hoje... O que eu tenho hoje? Tudo que eu tinha, ele tirou de mim. Filhos, mulher... O que eu ainda tenho? Dinheiro? Bens? Nada disso mais me importa, mas mesmo assim, ele não vai trazê-los de volta. Se eu tivesse uma oportunidade apenas, perguntaria a ele porque motivo ele escolheu minha família e não a mim".

Sou Deus?


Antes de tudo, não tenho tantas pretensões como dizem por aí. Apenas sigo através do tempo, sem malas, desprevenido de roupas, sem bagagem alguma. Não tenho sequer lugar para morar. Vivo, nem mesmo sei se vivo, fazem-me vivo a todo o momento por qualquer coisa, ainda mais se essa coisa é uma necessidade.
Como eu disse, nem lugar eu tenho para morar. Resido nas palavras que me evocam, no choro, na alegria e até mesmo na desgraça. Assim, sem pretensões, sigo observando a quase tudo o que acontece. Então dizem:
— Por que não fez nada?
— Eu não acredito em Deus!
— Graças a Deus!
— Deus onde tu estás?
— Obrigado, meu Deus!
— Deus é brasileiro!
— Foi Deus que me deu!
— Deus te castiga!
— Pelo amor de Deus!
— Se Deus quiser!
            Esse último, até mesmo eu uso quando as coisas parecem difíceis. Uso mais para apelar. Mas, apelar para quem, se eu sou o que me dizem que sou? Deus. Como pode o próprio Deus apelar? Para quem? Poderia rir de mim mesmo, mas seria demais para um Deus rir de sua própria solidão, de não ter a quem recorrer, por isso, sem ter muito ao que fazer, mas sempre me dizem que tenho que resolver uma coisa ou outra, fico a observar a vida alheia, enquanto dizem “Foi Deus quem quis”, “Foi da vontade de Deus”. Mas, eu só observo. Não posso carregar o mundo nas costas.
            De tanto dizerem que assim sou, até mesmo eu, em alguns momentos acredito que posso ser assim, mas não me agrada muito essa ideia de ser supremo, a divindade. Assim, pareço muito diferente daquilo que realmente sou. Se eu sou o que penso que sou, então por que acreditar que posso ser como querem que eu seja? É muita presunção querer determinar o destino e vida de alguém, ainda assim, querem determinar o que devo ou não fazer. “Meu deus, por favor, isso...”, “Meu Deus, por favor, aquilo...”. Sorte de vocês que podem escolher o que fazer, ser e até mesmo onde vão passar as férias de verão. Eu, não! Não tenho direito nem de dormir! Nas refeições, já nem sento à mesa. Ainda reclamam!
            Devo admitir que essa coisa de ser Deus, é de uma responsabilidade tremenda. Devo estar em todos os lugares, resolver todos os problemas do mundo, dar carros de presentes para as pessoas, permitir que pessoas corruptas submetam nações inteiras à miséria da fome, da guerra, etc. Se eu fosse falar de todos os meus compromissos, passaria séculos digitando, aqui, nesse notbook. Agora, você deve está pensando que Deus não usa dessas coisas. Acertei? Posso ser Deus, mas devo estar antenado nas novidades que o mundo moderno cria. Só tenho cuidado de não me tornar nomofóbico. Vejo tanta gente viciada em tecnologia que não olha mais nos olhos de outras pessoas. Eu querendo bater um papo e vocês se calam, são indiferentes.
As redes sociais nem se fala. Há cada coisa que nem mesmo eu sei como resolver. Já pensou se eu não tivesse uma conta no facebook, como poderia dar meus likes e comentar os post de milhões de pessoas? É motivo de ofensa se eu não verificar as postagens em meu nome. Tenho que dizer, sinto muito, não fico online das 23 horas até às 9 da manhã. Mesmo a contragosto da maioria, quero dizer que o ditado que diz que Deus não dorme, comigo não funciona. Durmo e não gosto de ser incomodado. Desligo o smartphone e apago de vez.
Ahhhhh... se vocês soubessem como eu tenho vontade de não ser Deus! Acho que não fui criado para isso. Prefiro ser um professor, um gari, uma bailarina, um bêbado, uma prostituta, um pai, um irmão, o aleijado. E você teria coragem de ser Deus pelo menos por um dia? Eu teria a coragem de ser você pela vida toda. Daqui de onde estou, vejo que a vida de cada um não é mais nem menos complicada. Todos vocês têm seus próprios problemas, mas não perdem o velho hábito de jogar tudo nas minhas costas, não são capazes de resolvê-los. Criam deuses, sou apenas um deles, me chamam como querem, também criam seus próprios demônios, e depois não têm a coragem de conviver com eles. Quem pari seus deuses e demônios que os embale. Até agradeço pelos novos deuses que surgem graças à criatividade humana. Quem sabe fazemos uma força tarefa para diminuir a fila da solução de problemas.
Não sou dono de mim porque, sem menos esperar, já estou em algum lugar diferente daquele que estava antes. Não posso piscar os olhos, sou chamado em uma igreja, num leito de morte, em um terreiro de umbanda, até mesmo na piadinha de uma adolescente. Outro dia mesmo, um louco assistindo a TV, ouviu e viu um sacerdote budista afirmando que eu habito no Evereste. Quase cai de costas quando vi aquilo. Lá é frio, dá um trabalho imenso para escalar aquele monte, sem contar que teria que desviar de corpos e muito lixo espalhados dos pés ao alto do Evereste.
Ao mesmo tempo em que observava o louco, pensei que ele pudesse acreditar no que quisesse. Quem sou eu para interferir no credo de alguém? Deus me livre! Estão vendo? O convívio com vocês e a força do habito perseguem-me! Se o louco acredita nisso, então estarei lá também. Só o frio vai incomodar um pouco. Não tenho medo de altura porque se tivesse, não moraria nos céus, lugar onde a maioria de vocês acredita que eu passe meu tempo. Prefiro passa-lo na cabeça, na mente de cada um, porque, assim, posso estar em qualquer lugar. Concordam?
Em breve, tirarei férias mais que merecidas, mas antes de sair de viagem por ai, mundo a fora, terei uma última missão. Confesso que estou apreensivo porque não há muito que se fazer se as pessoas são livres, vivem como querem, fazem as piores escolhas e depois, de acordo com seus interesses, culpam-me ou me absolvem de suas trapalhadas. Eu, por exemplo, não escolhi ser Deus. Vocês dizem-me o que sou, o que devo fazer, mas não me dão forças nem liberdade nem escolha. Nem mesmo me perguntam se eu gostaria de ser assim. Se assim sou, então me deixem para que eu seja e faça aquilo que não acreditam que podem ser e fazer: Deus.

 Agosto de 2016

Da saudade e dos amigos


I – ANTRE A TARDE E O AMANHECER.
“Hoje, ao pôr do sol, sentei-me enfrente a casa daqueles com quem trocarei afeto eterno. Como de costumo, quando estou aqui, me sentei sem nada esperar, enquanto sentia-me especial naquele momento no qual o vento sondava e revelava no meu rosto um sorriso de essência interna, um estado de espirito que jamais poderei traduzir com minhas meras palavras. Era como um perfume de uma surpresa, a descoberta da beleza na simplicidade. O vento me abraçava com a mesma força que guardo no afeto que tenho pelos AMIGOS que lembro agora, neste "tramonto", porque a graça que sinto, me fez, hoje, perceber mais uma vez que pessoas e a vida são mais que especiais.”

II - À  TARDE.
"... Quando acordar será noite, enquanto isso, o pôr do sol se desmanchará no horizonte bragantino no qual pus meu olhar, na mesma direção em que nascem os sonhos..."

III – O AMANHECER.
"... hoje ele não veio. Me deixou a esperá-lo como quem espera um trem, uma partida, uma viagem somente de ida... É assim que ele faz durante a sua jornada. Brilha e aquece meus sonhos. Eu fico aqui, nesta estação porque é nela que eu vivo, é através dela que espero a minha eterna viagem, mas antes tendo-o visto forte e brilhante no horizonte bragantino, na mesma direção, em que agora, despertam meus sonhos..."

Fevereiro de 2011.

Meus Igarapés...


Existe uma coisa que nunca vou esquecer que fez parte da minha infância é o contato que tive e tenho com a natureza. Desde muito cedo, aprendi os caminhos dos igarapés que existiam nas redondezas do bairro onde me criei, em Capanema. Eram igarapés de águas amarelas transparentes que em épocas de cheias, suas águas ficavam escuras, barrentas, mesmo assim, eram a melhor opção para uma criança que não tinha muito o que fazer em casa.
A natureza nas proximidades de minha casa sempre foi muito exuberante, com muitas árvores, lagos, igarapés, principalmente na localidade onde morava minha avó, um lugar muito tranquilo cheio de magueiras, árvores imensas, mas com sinais visíveis de que o bicho homem havia passado por ali. Esses sinais eram pequenas fazendas ou propriedades que mantinha gado naquela região, o que fazia de nossos passeios à casa de minha avó sempre uma aventura, pois os bois eram motivo de choro para a molecada que tinha medo de gado. Quando desconfiavam que tínhamos medo deles, faziam-nos correr em direção ao mato deixando qualquer coisa para trás, como chinelos, sacolas e bicicletas, era realmente uma aventura que depois rendia boas risadas.
Lembro perfeitamente que nas proximidades do sítio de minha avó havia um lago no qual gostávamos de banhar, tinha um nome um tanto envelhecido, com jeito de senhor e respeitado pelos adultos, era o barreiro, fruto de escavações minerais da fábrica de cimento que ainda existe na cidade. No velho barreiro brincávamos por horas sem lembrar que tínhamos que voltar para a cidade, onde morávamos. Além de brincar, também pescávamos juntamente aos adultos, mas somente eles obtinham resultados satisfatórios na jornada de pescarias. O velho barreiro era lugar de mitos e mortes, contam os mais velhos que dizem terem perdido parentes e amigos naquele lago; outros, dizem que o barreiro era lugar de assombração, cobras imensas capazes de engolir um homem inteiro, o que é bem provável e até já foi divulgado na TV, sobre animais que atacam pessoas, não no barreiro. Em todo caso, nunca presenciamos nenhum desses feitos lá no velho barreiro. Saudades eu tenho desse velho. Quando não estávamos na cidade, estávamos no sítio, lá era somente o ponto de partida nas temporadas de manga, jaca, goiaba e ameixa. Saíamos de lá e andávamos por quilômetros na busca de frutas, em baixo de chuva ou sol, não importava. Íamos em busca daquilo que a natureza nos ofertava com tanta abundância e generosidade, o que hoje já não é muito comum porque muitas áreas de florestas foram devastadas para dar lugar à fazendas e plantações cultivadas por pequenos agricultores.
Hoje, observo com muita tristeza no olhar as coisas que fizeram aos igarapés de minha cidade, quase todos assoreados ou com suas matas ciliares quase não existentes. É uma pena ter que passar por eles e lamentar muito o que o desenvolvimento da cidade trouxe para eles e as florestas que ainda resistem em alguns trechos urbanos, como uma densa floresta que havia atrás de um posto de combustível, tão rica mata, com animais, como macacos, quatis, quatipurus, aves de muitas espécies, ouriços (porco-espinho), uma fauna diversa. Lembro muito bem, um dia quando ia ao sítio, deparei-me com um tamanduá, era um bicho grande, deveria ser um adulto, minha reação foi de correr, enquanto o animal também executou a mesma ação, um bicho com medo do outro. Em outros momentos, vi cachorros do mato ao redor da casa no sítio, um animal estranho de corpo alongado, bem baixo e de cor acinzentada. Acredito que muitos dos animais foram dizimados nas matas de Capanema por causa da caça predatória e destruição de seus habitats naturais.
Algumas vezes, parecia até maldade, meu pai me acordava às cinco da manhã para acompanhá-lo até a empresa onde ele trabalhava, íamos buscar a carreta que era sua ferramenta de trabalho. No trajeto, passaríamos sempre por um dos igarapés que comentei aqui cujo nome é tubo que na época era um grande igarapé de água bem fria e escura ainda mais na madrugada. Imaginei por muitos anos que o belo passeio na madrugada era um presente de grego que meu pai me dava, de fato, era, o porquê, não sei. Mas, deixando de lado o caráter pessoal da coisa, banhar no tubo durante um dia de sol era a coisa melhor do mundo, sem contar que, de lá íamos rio acima em busca de frutas como taperebá, quando observávamos, já estávamos no outro igarapé, o rio do posto, depois de termos passado por uma mata muito cerrada, cortada apenas pelas águas frias que vinham do grande caeté, realmente uma aventura que em dias de chuva ficava tenebrosa com direito a raios e trovões, sem contar as batidas de queixo de tanto frio, lembro como se fosse hoje, quando passo pela região desse igarapé.
Hoje, o que existe são somente lembranças do que antes era pura felicidade de menino e mulheres com suas bacias prateadas cheias de roupas sempre a caminharem na mesma direção, os igarapés: tubo, garrafão, rio do posto, rio da serraria... Ao longe só se via uma multidão permeada de meninos afoitos por brincadeiras e boas flechadas na água até ficarem com os dedos todos enrugados de tanto frio ou a visão turva de tanta água. Em dias de sol, a festa estava completa, não faltava nada, e todo mundo rumava na mesma direção, igarapés ao mar, meninos e mulheres ao paraíso.
É lamentável que ninguém nunca soube valorizar as matas e igarapés de minha cidade. Prefeitos entram e saem sem preocuparem-se com a natureza que também faz parte do meio ambiente. Acredito que as autoridades não tenham tido aulas de educação ambiental, por isso, não sabem valorizar o que é primário em nossas vidas, como florestas e a fauna que nelas existe, os igarapés que as cortam com tanta beleza e silêncio de intensa fascinação.
Já não sou mais um menino nem tão pouco banho nesses igarapés de matas, mas tenho dentro de mim a força de relembrar-me e a quem quer que seja também, que sempre é tempo de vida, e a vida é feita de igarapés, pessoas, infância, florestas e sonhos.

Janeiro de 2012.

O Pará não é queijo para ser dividido pelos ratos


Nos últimos dias, ouvimos falar muito sobre a divisão do Estado do Pará, um Estado que tão bem acolheu e acolhe pessoas de tantos lugares do Brasil. Ligamos a TV, o rádio, navegamos na internet, e percebemos alguma matéria sobre o tão acelerado processo de plebiscito ( fazemos questão de lembrar que em suas raízes, plebiscito não só traduz o voto do povo por sim ou não, como também sinaliza a sua vontade ), que tantos filhos de outras terras querem  concluir.
Tenta-se mostrar ao povo deste Estado que ele não é viável por causa da grande extensão territorial. Alega-se que regiões distantes de Belém, a capital, são historicamente pobres desde os períodos mais remotos, épocas das antigas províncias que muito mudaram como tentativas de partilha do poder, quando meia dúzia de “xeretas” pretendiam muito mais que divisão territorial, mas sim a fragmentação do poder que geraria uma “lambança” do dinheiro público. Mudanças que transformaram definitivamente as fronteiras físicas do nosso querido Estado, mas que não conseguiram aplacar a sede de políticos que, se quer são paraenses, por dinheiro e recursos do governo. Em virtude disso, parlamentares puseram em discussão a legitimidade do projeto de criação dos novos Estados do Tapajós, Carajás e Pará. Este, muito provavelmente, ficaria com a região mais populosa do atual Estado (cerca de 60% do número atual), mas com pouca participação nas riquezas minerais e hídricas do Sul, Sudoeste e Oeste paraense.
Afinal, o que querem estes políticos que não conhecem a realidade de nosso Estado? Eles, que tão pouco sabem sobre os anseios e desejos do nosso povo, muito menos sabem o que realmente os paraenses pensam e sentem em relação a divisão territorial. Por que dividí-lo?
Saudosos são os discursos do Padre Antonio Vieira que em outros tempos, magnificamente soube como ninguém, rechaçar intrusos da nossa terra amada, assim fez com holandeses e espanhóis. Ele fez de suas palavras uma arma contra àqueles que tentavam repartir o que já pertencia ao caboclo, índio, ribeirinho, aos negros da terra, por direito natural, a terra.
Prezados políticos sem terra-natal (é o que muito parece, pessoas sem um lugar para chamar de minha terra), deixem nosso Estado nas mãos daqueles que realmente pertencem à esta terra, que fazem parte dos lugares dentro desse imensa terra que tanto amamos. Sabemos que nosso Território é grande por natureza, com aproximadamente 7 milhões e meio de habitantes que não merecem ser divididos por questões tão óbvias como o uso e a apropriação de recursos públicos (verbas), “puxar dinheiro com o rodo” e intensificar o leva-e-traz de dinheiro na cueca. Criar dois novos Estados seria como um parto de bebês prematuros. Eles nasceriam sem condições adequadas de sobrevivência. Especialistas do IPEA declararam que os dois novos Estados, Tapajós e Carajás, custariam cerca de 2 bilhões e 1,1 bilhão de reais cada um, respectivamente, um rombo nos cofres públicos.
Vejam outros exemplos de Estados brasileiros, frutos de divisão, que têm regiões tão ou mais pobres quanto as que existem no Pará. Um dos casos é o Estado de Alagoas, no semi-árido brasileiro, que possui regiões que não conhecemos fisicamente, assim como, as que os criadores do projeto de divisão não conhecem em nosso Estado. São regiões pobres dentro do Nordeste, onde pessoas vivem em condições de pobreza extrema, assim como algumas áreas metropolitanas de Brasília, São Paulo e até mesmo Belém, o que muito comprova que a solução não é dividir o que é mínimo ou máximo, grande ou pequeno. A solução é gerir melhor os recursos em cada região ou Estado. Nada de dividir, confundir, subtrair...
Somos um Estado/Cultura, Estado/vida, Estado/Nação, capaz de receber bem quem quer que seja. Um bom exemplo do que falamos é Paragominas, fruto de tantas lutas de pioneiros como Célio Miranda e tantos outros. Esta cidade viveu anos de austeridade, mas, hoje, vive e comemora suas glórias em muitos setores sociais. Muito embora, haja tanta riqueza, a cidade também tem seus “Oestes” carentes da presença do poder público. O que fazer, dividir? Não! O que precisa ser feito é aproximar estas áreas às boas práticas políticas e sociais realizadas em tantas outras áreas da cidade. Só assim, serão minimizados problemas seculares do oeste e sul deste Estado, que afligem populações inteiras que reclamam à presença do poder público, mesmo assim, acreditamos que a solução esteja em uma administração melhor dos recursos gerados pelo próprio Estado e Governo Federal. Queremos nosso Estado unido para enfrentar seus inúmeros percalços, como os políticos sem terra-natal (ratos querendo dividir o queijo), entraves que refletem a ganância, ignorância e injustiça que cegam o nosso povo.

 Janeiro de 2011.

Carta ao amigo...


Justificativa mais que necessária.
“O que escrevo aqui são algumas palavras que ficaram no passado. Por um descuido, ou sei lá o quê, não as disse a quem deveria. No dia 13 de janeiro de 2011, as encontrei. As reescrevo para recordar um grande amigo, um pouco de sua história de vida.”

Querido amigo, quando tentamos olhar a vida e suas possibilidades, deparamo-nos com nossos medos, angústias, frustrações e sofrimentos. Somos divididos a menor parte que se possa ter de esperança, e como se não fosse o bastante, às vezes, multiplicam-se nossos receios e desesperos. Quanto mais buscamos respostas para nossas vidas, menos conseguimos compreender que há razões que, talvez, nunca compreenderemos, e só a fé poderá nos consolar, sendo, quando possível, a única resposta. No mais desesperador dos prantos existe algo que nos remete a essência da vida, levando-nos, caro amigo, ao momento em que despertamos para ela -  quando nascemos – até a hora em que partimos. Falo de lagrimas. Algo tão expressivo durante a vida que nos eleva, sendo tão comum na hora da morte. As lagrimas de alguém quando nasce, são de alegria, de chegada. Quem nos dera evitá-las, as de partida, de um adeus que se dá a alguém na vida. Não há nada melhor pra explicar as razões desse estágio chamado vida e definir com precisão o quanto somos fracos de carne, porém, fortes de espirito. Somos condicionalmente, assim. Cada lágrima traz em si um milagre, da vida, quando nascemos, do amor, quando amamos e da morte, quando partimos. Deus sabe até onde podemos ir, e com ele haveremos de chegar a algum lugar. Se for preciso, ele irá até onde não podemos ir, lugares que julgamos serem impossíveis de ser chegar. Isso, só para nos mostrar que a definição da impossibilidade está na força, na fraqueza, fé, amor que temos, seja muito ou pouco. Acredito que, o que realizamos é o possível; o que não conseguimos realizar, é o impossível (exatamente como define seu significado). Assim, prezado amigo, reconheço mais uma vez, que o impossível só Deus pode realizar, e se ele não quiser, de certo há alguém que não mereceu esta dadiva.

Janeiro de 2011.

Até que nossa indignação separe-os, Amém!


A união entre Estado e religião nunca foi nenhum segredo para os brasileiros, e isso está cada vez mais intrínseco, difícil de separar. Ora, vemos o Estado enrustido em cerimônias e atividades religiosas, o que contraria o conceito de um Estado laico que se opunha ao envolvimento com religiões; ora, a igreja, com seu cristianismo culpado que mais parece um fardo aos seus fiéis, se enraíza nas instâncias governamentais como uma forma de ampliar e determinar decisões que a favoreça.
            Nos últimos meses temos acompanhado nos meios de comunicação a divulgação da Campanha da fraternidade 2012 que tem como tema “Que a saúde se difunda pela Terra”. Divulgada incessantemente nas mídias, a CF2012, como é chamada a campanha que é fruto de articulações da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) com o governo brasileiro, propõe à sociedade brasileira uma discussão atual sobre saúde e o Sistema único de saúde – SUS que funciona em condições precárias de atendimento ao público. A discussão deve se estender por todo o período quaresmal, culminando com a arrecadação de milhares de envelopes recheados de dinheiro do povo, de seguidores fiéis à igreja católica, que, em grande parte mal sabem o destino do dinheiro arrecadado.
            Fala-se de CF2012 nas escolas durante quarenta dias com a intenção de enganar as mentes frescas de nossos jovens, com a falsa impressão de que o povo é responsável por sua saúde, como se saúde pública fosse uma aventura solitária em que cada um é responsável por está saudável, o que não deixa de ser verdade, mas saúde pública, de acordo com a situação atual do SUS e das pessoas que necessitam do atendimento gratuito, é uma questão de investimento em hospitais, pessoal qualificado, atendimento humanizado e, acima de tudo, educação de qualidade para o povo porque ser saudável não é só uma questão de patologia, mas de circunstâncias sociais. Acredito que muitas doenças são causadas por uma má alimentação, como a obesidade, hipertensão, etc. Como propor ao povo que cuide de sua saúde se, muitos brasileiros não tem escolha, comem qualquer tipo de alimento sem muitos cuidados, quando há alimento? Como pedir que lave bem um alimento se mal tem água para beber ou atender às suas necessidades básicas? E ainda divulgam que o povo é responsável por estar doente. Se isso ocorre é porque não houve educação de qualidade e suficiente para fazer com o povo cuidasse melhor de si em todos os sentidos da vida, o que evitaria o abarrotamento de tantos hospitais públicos com doentes a espera de atendimento.
            A CF2012 é mais uma prova da ineficiência do Estado brasileiro que não cumpre com o que reger a constituição brasileira de 1988, no artigo 6º que aponta os direitos fundamentais à garantia de perfeitas condições de vida como saúde, educação, trabalho, alimentação, etc. Assim, o Estado se diz operante com uma falsa parceria que retira de seu campo de responsabilidade uma questão/prioridade para o bem do povo, a saúde pública. A CF2012 quer desvincular, salvar e trucar a imagem do Estado brasileiro fazendo o papel que não lhe compete, mas que por interesses políticos, certamente, o faz como desde sempre já que a imagem de Estado laico é apenas subjacente ao que realmente importa na relação mais que “amiga” entre poder governamental e poder eclesiástico.
            De longe esta iniciativa merece meia dúzia de aplausos, pois não prioriza a educação e sim o combate material que não respeita os limites históricos, culturais, econômicos e sociais do povo brasileiro. É uma empreitada que na prática, com pessoas muito pobres que vivem abaixo da linha da pobreza, não tem eficácia. Viver na miséria é não ter acesso a programas econômicos-sociais, a infraestrutura, acesso a rede pública de saúde, à atendimento humanizado nos hospitais, ausência de rede de tratamento de esgoto, entre outras coisas. Embora tudo isso seja mínimo diante dos olhos do governo, a CF2012 continua difundindo que a saúde do povo é uma questão que deve ser resolvida pelo povo e não pelo governo, o que perpetua a mascarada união entre igreja e Estado.
Vemos todos os dias, nas TVs e internet, pessoas desviando dinheiro que deveria ser empregado no SUS, para atender melhor a população, o que não é novidade, mas é fruto de um comportamento gerado pelo sistema corrupto gerenciado em Brasília onde sustentamos uma centena de deputados e senadores que pouco fazem pelo povo mais pelo próprio bolso. É para lá que vai a maior parte de nossos impostos que sustentam toda a corja do sistema que massacra o povo quando decidem por seus próprios interesses, deixando de dar aos brasileiros melhores condições de vida como já garante a Constituição Federal de 1988.
O povo só será capaz de cuidar de si próprio quando tiver educação com qualidade, oportunidades iguais que lhe garanta alimentação digna todos os dias e acesso às informações geradas com a finalidade de educar para a vida e não apenas para atender a interesses temporários que visam lucros e a falsa sensação de proteção e eficiência. Saúde pública não é apenas direito fundamental, mas também condição primeira para que se possa exercer todas as prerrogativas que deveriam gozar todos os valentes cidadãos deste país.

Março de 2012.

Hoje é dia de chuva

        

       É fim de dezembro quando ela chega, por instantes, silenciosa sem alarde. Era esperada já há alguns meses em que o sol castigava o vale onde está a cidade de Paragominas. A chuva é o alívio para todos nós que precisamos dela para alguma coisa. Há gente que precisa da chuva apenas para matar o calor, refrescar a cuca; há outras que precisam da chuva para plantar, fazer o alimento e as árvores florescerem, para saciar a fome; outras, apenas para ver que em cada gota dela há poesia e emoção, como uma melodia meio desarmoniosa, uma espessa parede de vidro estilhaçada na diagonal que lhe ajusta o vento. É janeiro, carnaval, março. É tempo de chuvas em nossas vidas.
           Tenho bem firme na memória os tempos de chuvas nos quais vivi durante a infância. Eram tempos de muita festa, de amigos e muito banho de rio no inverno, acompanhado por chuvas torrenciais que de tão fortes provocavam dor quando caiam sobre a pele. Mesmo com surra de pingos de chuva não desanimávamos. Saíamos pelas ruas do bairro onde morávamos, em busca de biqueiras e tubulações que mais pareciam cachoeiras, e sob elas disputávamos cada instante da chuva. Éramos muitos meninos e meninas que não se saciavam apenas com um minuto qualquer de chuva, sempre queríamos mais mesmo estando com os dedos enrugados de tanto frio ou que nossos pais nos chamassem para o calor de nossas casas.
       Lembro que já na adolescência, a chuva tinha outro significado e função, para mim e meus amigos. Nesta fase de nossas vidas a chuva era motivo de galhofa entre nós. Riamos de tudo, da mulher molhada por um banho de lama que algum carro jogara; da queda sobre a bicicleta em uma poça d’água, do desafio de atravessar a estrada coberta de água do rio que transbordara com o temporal. Não esqueço desses momentos em que descobríamos nossas próprias vidas sob a chuva. Aos poucos ele perdia a sua inocência juntamente a nossa, quando deixávamos de apenas brincar e passávamos a ver que a chuva era, em alguns momentos, a coadjuvante de nossas percepções, e que sorrir precisava de uma piada a mais.
          Já nem sei quantas chuvas me atingiram, o que ainda guardo comigo é a lembrança de quando minha mãe nos acalantava com suas serenas palavras sobre as noites em que dormíamos sob fortes temporais, e meu pai não estava em casa, pois estava longe exercendo seu ofício. Dona Naná dizia que dormir com chuva não era algo muito bom, fazia um mal danado, o que tivera ouvido de sua mãe e guardava consigo a ponto de fazer com que eu e minhas irmãs acreditássemos no que dizia. Ela tinha o hábito de encher um copo com água e pô-lo de ponta-cabeça, sobre ele uma colher de sal grosso, dentro de um pires em cima da mesa das refeições. Aquilo que minha mãe fazia, parecia meio mágico, uma magia do bem, que não sei ao certo se funcionava, pois não me lembro como tudo terminava, já era noite e tínhamos que ir dormir, e quando acordávamos, restavam apenas algumas gotinhas fracas, meio tímidas caindo ao pé da janela. Eram apenas vestígios daquela que um dia era motivo de alegria entre os amigos, e que em noites de solidão e frio nos assustava até que adormecêssemos ao colo de nossa mãe.
      Depois que cresci, me constitui como homem que depende de seu trabalho, confesso que continuo apreciando uma boa chuva, desde que não tenha nenhum compromisso fora de casa, como visitar amigos, ir à praça, até mesmo ir ao trabalho acompanhando-a através da janela do coletivo. Gosto de ficar na janela olhando a chuva que cai, acreditando que quem nunca tomou um banho dela não sabe o sabor que ela tem. Sair na chuva tem sido chateador porque não é confortável chegar a algum lugar molhado dos pés a cabeça. Entre tantas idas e vindas do trabalho, aprendi que a máxima popular que diz “quem vai pra casa não se molha” é verdade, mas só percebi que isso tem uma razão de ser quando tive que enfrentar muitas noites debaixo de temporais a caminho de casa. Percebi que cada gota que caia sobre mim não tinha o mesmo sabor de quando era menino que brincava e sorria com o frescor da água, mas tinha o gosto do descanso, do dever cumprido, da vontade de se jogar ao sofá e ver um pouco de TV ou apenas escrever algumas poucas linhas sobre qualquer coisa. Por estas e outras coisas um banho de chuva vale a pena.
           Redescubro minha paixão de infância ouvindo o som de outra chuva, não aquela da cidade que vivi quando criança, mas de uma chuva que mesmo acabando lá fora, continua aqui dentro, lavando, revirando, me tocando com a mesma harmonia e emoção que tenho quando paro e vejo que hoje é dia de chuva e, que não importa a direção de onde venha, mas que sempre será esperada em uma manhã, em uma tarde, em uma noite ou por uma vida inteira.
Maio de 2011.

O rato de meias

         

        Eu sei que o tempo é imbatível quanto a sua velocidade. Carros novos ficam velhos, árvores ficam centenárias e os seres humanos ficam ruins de memória, esquecidos de tudo e de quase todos. É inegável que anos a fio de trabalho estressante nos deixam cansados como burros velhos, estafados até à alma, esquecendo com facilidade qualquer coisa por mais simples que seja. E esta coisa pode estar dependurada no pescoço, em cima da cabeça ou nas próprias mãos. Quem nunca procurou os óculos e, depois de tanto procurar, passou a mão sobre a cabeça e o encontrou? E caneta? Quem nunca ficou louco de procurá-la, mas depois de uma boa olhada nas mãos percebe que esta ali, em punho, pronta para escrever.  A idade nos trai, faz-nos de tolos, dar risos bobos e depois constatar que somos isso mesmo. O tempo...
         Num desses episódios inesquecíveis de esquecimento quase vou à loucura por achar que realmente havia esquecido onde coloquei um belo par de meias pretas e só um pouco suadas. Chego em casa, uma das primeiras coisas que faço e retirar os sapatos que me matam e em seguida as surradas meias que passam o dia cozinhando meus pés. Jogo cada meia em seu respectivo sapato. Meia da direita, no sapato da direita; meia da esquerda, no sapato da esquerda. Sei que isso é quase toque ou o é, mas sou assim meio sistemático mesmo. Morro de medo de uma das meias cair fora do sapato, por isso tenho cuidado de soca-las em cada sapato com muita competência até ter a certeza de que de lá não sairão. É quase como um credo.
        O que eu mais temia aconteceu. Em um dia, fui pegar os sapatos, vi que dentro deles não estavam as meias. Procurei um pouco mais, ainda era cedo da manhã, mas de partida para o trabalho, deixei de lado aquela momentânea curiosidade. Minha loucura começou ali naquele instante. Fui ao trabalho. Voltei do trabalho. Ideia fixa na cabeça: onde deixei minhas meias? Por alguns momentos me convenci de que as havia deixado em outra parte da casa. E, disso convencido, comecei a procura-las em outros lugares. Debaixo da cama, dentro da máquina de lavar, dentro do armário, dependuradas nas cordas de roupas. Em nenhum lugar as encontrei.
        Segui por dias convencido de que estava ficando velho mesmo, esquecido até de onde teria colocado minhas cativas meias pretas que tanto as estimava. Contei a história a amigos e, dentre muitos comentários diziam “Nossa! Você já olhou bem as coisas na tua casa?”, “É a idade, amigo. Já aconteceu isso comigo lá em casa”, “ (...) outro dia mesmo esqueci meu celular dentro da geladeira. Morri de rir depois!” Como não acreditar que eu realmente estava ficando mais velho e, que já na curva dos 40, andava meio esquecido? Voltei para casa depois de ouvir tantos comentários e elogios sobre a minha mais nova habilidade de esquecer coisas. Chegando em casa não me dei por convencido, algo me mandava procurar mais as meias em qualquer lugar até mesmo dentro da geladeira, o que parece absurdo, mas procurei. Eu tinha certeza que minhas meias não sairam daqueles sapatos, andando por ai, ir ao meu trabalho por força do hábito, passear pela cidade, não! Eu tinha a certeza de tê-las deixado dentro de cada sapato. Estava ficando louco. Todas as vezes que passava pelos sapatos, sempre me perguntava em voz alta “onde estão minhas meias?”,  eu estava louco!, para convencer-me de que, de fato, as tinha deixado lá, naquele lugar, onde agora estavam somente meus sapatos vazios sem suas companheiras de todos os dias.
            Não me dei por satisfeito. Depois de escovar os dentes pela manhã bem cedo, fui à cozinha e vi que a mesa estava suja com pegadas de rato. Havia acontecido uma festa de ratos na minha cozinha na noite passada. Um nojo me subiu à mente. Se pudesse, teria mergulhado minha cozinha numa piscina de água sanitária para limpar tudo. Tudo estava sujo, era o que eu pensava. Os ratos devem ter feito xixi e caca em todo lugar. Limpei tudo! Depois do serviço feito, fui à caça aos ratos. Batia enlouquecidamente no fogão revirando-o de ponta a cabeça para que os bichos saíssem de lá. Uma das pragas sai de lá, pulando, fazendo um qui qui qui sem parar depois que acendi o forno para afugentá-lo. Saiu sorrateiro para debaixo da máquina de lavar. Foi quando tive a ideia de lavar toda a cozinha depois de tê-la detetizado com água sanitária. Àgua acima e água a baixo. Chuá! Chuá! Era água que não acabava mais. Sumiu. O danadinho sumiu no meio do aguaceiro. Nunca mais o vi.
Sabia que estava ficando velho, cabelos brancos denunciam isso, o raciocínio mais lento também, mas não estava louco. Nunca estive mais louco do que naturalmente já sou. Como eu esqueceria do lugar onde havia colocado minhas meias? Se elas não saíram andando de dentro de casa, como poderiam ter criado asas e voado para outras partes? Não estava certo. Foi ele!! Foi ele! Foi aquele rato fedido que roubara as minhas meias! Por dias, segui imaginando a que ponto poderia chegar a minha loucura ou esquecimento, agindo com mais atenção do que de costume para não esquecer a mais nada. 
         Tudo que sei sobre os ratos é que eles nunca roubavam meias. Já roeram roupas de reis. Roubam queijos de ratoeiras, fogem de gatos como o diabo da cruz... mas roubar meias? Quem diria! Eu sabia que não estava louco! Que alívio! Tudo bem que minhas meias estivessem só um pouco sujas, mas a ponto de ter cheiro ou formato de queijo, jamais me passou pelo sentido.
Maio de 2016.

Sacolas da Felicidade


Depois de mais um dia de trabalho cansativo lembro que em casa não há nada para comer nem se quer um pão de outro dia. Sigo para um supermercado perto da minha casa, em outro bairro, tão logo chego à cidade. A vida de solteiro tem dessas obrigações que resistem ao tempo, à falta de coragem e ao cansaço.
Passeio pelos corredores do supermercado, meio despretensioso, mas de olho nos preços, nas pessoas que entram e saem de lá enquanto fico perambulando de gondola em gondola. Coloco alguns pães, queijo e um pouco de presunto na cesta que levo como um pêndulo imóvel em minhas mãos. Vi que passaria a noite inteira ali e não saberia ao certo o que levar para casa, então decidi ser mais prático e me conformar com um belo par de sanduíches naquela noite.
Cansado como estava naquele dia, rezei para não ter filas nos caixas, mas a oração foi pouca, acho que não rezei com muita fé e, as filas estavam lá atravancando meu caminho e testando minha paciência. Numa das filhas perto da qual eu estava, vi três figuras que me chamaram atenção. Um homem, numa posição mais privilegiada, com jeito de aposentado e um semblante tranquilo e ao mesmo tempo atento aos produtos que retirava do carrinho; um garoto que o ajudava retirando um a um os poucos mantimentos que aquele senhor comprara; por último, uma senhora já com muitos cabelos brancos, se apoiava na guia de condução do carrinho do supermercado, com o queixo recostado à guia, com um olhar baixo parecendo contar com os olhos o que o garoto e o velho retiravam do carrinho.
Durante muitos minutos continuei olhando aquelas pessoas que pareciam ser de uma mesma família, os avós aposentados fazendo a feira na companhia de um neto. O menino, com os pés descalços, encardidos de uma poeira negra, trajando uma roupa que também estava suja, me fez voltar no tempo e pensar quantas vezes eu também fui companhia de meus pais no supermercado. Aquele garoto me fez marejar os olhos nas lembranças do passado, mas havia uma diferença, pois éramos eu, minhas irmãs e meus pais; agora, eram os avós e seu neto levando para casa o pouco que suas aposentadorias lhes permitiam comprar. Nunca imaginei que numa fila de caixa, um garoto sujo e empolgado com as compras, agindo alegremente, pudesse me fazer esquecer uma fila entediante e cansativa de um supermercado.
Olhei para os lados para ver se alguém estava me vigiando, olhando em meus olhos marejados. Cheguei até a pensar que pudesse me questionar o porquê das poças de lágrimas nos olhos. Levantei a cabeça, olhei para o teto como quem fazia uma inspeção sobre a estrutura daquele lugar, só para disfarçar o que senti naquele momento que me abateu de tanta nostalgia, ternura, olhando aquele garoto.
A fila andava, e eu continuava a observa-los. Eles já estavam saindo do caixa eu os perseguia com o olhar. Antes disso, percebi que o garoto retirara do carro os produtos apenas com uma das mãos e, com a outra, protegia algo que eu ainda não sabia o que era. O carrinho estava secando. Não dava mais para o menino esconder do avô o que tinha em baixo de sua pequena mão: um pacote de biscoito recheado. Não dava mais para esconder, era hora de colocar o biscoito no balcão do caixa, e isso o garotinho o fez. Levou cuidadosamente o biscoito ao balcão, mostrando ao avô, sem dizer uma palavra, pois o seu gesto era mais que um pedido. Da mesma forma, o avô olhou para o biscoito, com um olhar que falava que aquele lanche não poderia passar no caixa sem antes terminar de retirar do carrinho os poucos produtos mais importantes. O carrinho secou.
Fiquei apreensivo pensando no que fazer se aquele avô não levasse o biscoito para o garoto. Senti-me aflito, me senti menino sujo, empolgado, querendo somente um pacotinho de biscoito. O garoto permaneceu com o biscoito nas mãos sem dizer nada. O avô o olhou. A avó com as mãos abaixadas e entrelaçadas nada poderia fazer... Enquanto isso, aquela situação me revirava as lembranças de um certo menino que um dia também quis um pacote de biscoito, quis um brinquedo e as condições financeiras da época não permitiam nada disso. O choro era inevitável. Chorei com o sentimento de um pai ou avô que nada podem fazer sem antes satisfazer as necessidades de um lar e, se sobrasse algum dinheiro, quem sabe comprar um biscoito para o neto.
O avô, com o olhar de um desconhecido de olhos marejados, pegou o biscoito das mãos do garoto. O pobre menino juntou as mãos e as levou até a altura da boca que deixava escapar um sorriso tímido, mas vivo e verdadeiro. Respirei. Engoli o choro.
Sai vagarosamente daquele lugar, meio perdido procurando o casal de avós e seu neto. Não sei ao certo que direção eles tomaram levando suas poucas sacolas. O que sei é que eu já estava ali a tanto tempo, mergulhado entre lembranças e realidade e não percebi que os minutos avançavam. Era hora de ir para casa. Depois de tudo isso, percebi que minha fome já não era mais o foco dos meus pensamentos e os sanduíches não eram mais saborosos que aquilo que vivi naquele início de noite e, ainda, que as diferenças entre mim e aquela família eram apenas de pessoas, lugares e situações, mas a verdade é que uma das semelhanças estava ali, naquelas poucas sacolas que levávamos, que eram poucas, mas repletas de felicidade.

Novembro de 2014.

domingo, 11 de setembro de 2016

Trecho do livro "Matias"

MATIAS
"Todos nós temos nossas buscas e Matias tinha a sua. Se ele ainda vive em busca de algo, somente ele poderá responder. As buscas que perseguimos são ou foram reais assim como a do Matias, mas sem garantias de que, de fato, tenham ou terão sucesso. O que define o sucesso sobre o que buscamos? Persistir? Matias fez isso. Ter esperança? Era o que mais ele tinha. Cultivar um sentimento? Ele não soubera fazer outra coisa. O quê?"

De olho no cotidiano




A vida em detalhes

Cigarra no tronco de uma mangueira - 2016

Lago no Parque Ambiental de Paragominas - 2016
Mariscos catados na praia do Maçarico / Salinas -Pa / 2013