sexta-feira, 14 de abril de 2017

Vai um "pretinho" aí, motóra?

Vai um “pretinho” aí motóra?


Depois da escola e do almoço, me sentei em frente de minha casa vendo o movimento da rua e de um posto de combustível que fica do outro lado bem na direção da casa onde vivo com meus pais. Esse posto é uma coisa muito fantástica, meio disco voador ou pista de aeroporto. Nessa região de Paragominas existem outros postos, mas não tão iluminados como esse.
Nesse posto, vive uma molecada que tenta levantar um trocado para suas casas. Eu mesmo, só os vi ali quando me sentei em frente de casa para olhar os imensos caminhões se arrastando no pátio desse posto em um vai e vem sem parar. Lá de casa, eu vejo e escuto tudo até mesmo quando não quero porque o barulho de motores, arrancos e frenadas são constantes sem contar os “bibis” das buzinas, o que é uma loucura. Apenas a rua e uma cerca de arame separam minha casa desse pátio, assim não perco nada. Escuto a molecada gritando “vai um ‘pretinho’ aí?”, “vai um ‘pretinho’ aí?”.
Percebi que em suas mãos os garotos levavam dois ou três apetrechos, e nenhum deles estava ali sem esse material. A tarde foi passando, eu continuei sentado no banquinho construído pelo meu pai, quando de repente, notei que um grupo deles corria para outra área do posto, e em meio a eles, estava uma menina. Claro que estranhei ao ver uma garota junto com aqueles meninos, também gritando “vai um ‘pretinho’ aí motóra?” Acho que ela já trabalhava ali fazia algum tempo porque estava tão à vontade com os demais que até parecia ser um deles. Sandália de cabresto, short meio bermuda, um boné escroto na cabeça e camiseta de moleque mesmo.
Em muitos momentos daquela tarde, inclusive a menina, todos corriam desesperados de um lado para o outro daquele lugar, enquanto um homem que parecia ser o gerente do estabelecimento, trajando um uniforme azul, espantava-os de onde eles estivessem, esbravejando, fazendo gestos com as mãos para o alto, muito irritado com a presença dos garotos ali:
— Vão pra casa de vocês ou vou chamar o conselho tutelar pra levar todo mundo!
            Enquanto corriam, não era raro de se ouvir risos e gargalhadas entre eles porque tudo parecia uma brincadeira, era uma festa. Novamente achegavam-se aos caminhões dizendo, “Bora dá um ‘grau’ no caminhão motóra?” Discutiam tanto, matavam-se em gritos e, no final de tudo, cediam lugar à garota para que pudesse usar o que chamavam de “pretinho”.
Eu tive muita curiosidade e, naquela tarde, não resisti e fui até a cerca de arame para ver a molecada bem de perto. Já era um pouco tarde, e isso era possível de se notar porque o sol que, antes os castigava, se escondia bem no horizonte do outro lado da rodovia, na direção do meu bairro e parecia que era um espetáculo somente nosso, o que era incrível. E nesse mesmo momento milhares de passarinhos faziam revoadas da mata em direção ao posto procurando um lugar aquecido para repousar à noite. Enquanto isso, eu estive parado junto àquela cerca com os dedos engatados nela. O interessante é que eles nem notavam minha presença ali. Se me viam, ignoravam-me porque nenhum deles olhou para mim.
Por que suas mãos eram tão sujas? Mais de perto pude ver que nelas carregavam um pedaço de esponja e um frasco com um líquido escuro que passavam nas rodas dos caminhões. Só assim entendi que o líquido de cor escura era o tal “pretinho” que ofereciam aos gritos para os motoristas. Era coisa forte porque não saia assim tão fácil das unhas e encardia suas mãos. Passavam o produto em todos os pneus do veículo que os deixavam com aparência de novos, tinindo, cara de zerinho, zerinho... E eu que pensei que fosse comida...

Sem mais trabalho para o dia, a garotada começava a se dispersar. Os meninos iam embora e a passarada chegava, fazendo uma zoeira só, eram milhares dispersos nos ares e pareciam com os moleques fugindo do gerente, mas, dessa vez, ele os espantava com estouros de rojões para alto. A festa continuava por conta das aves, enquanto os meninos do “pretinho” iam para suas casas, silenciando as gargalhadas e risos. Em outra tarde, quem sabe, as gargalhadas e os risos, o por do sol, a cerca, meu banquinho e eu, todos estivéssemos ali, naquele mesmo lugar.

Texto semifinalista da Olimpíada de Língua Portuguesa 2016. Autor: Arthur Silva, com orientações do Professor Eduardo Emer.

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